O pensamento vivo de Aladim e a Tempestade em GTI
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Os manuscritos do cigano Melquiádes foram deixados em esquecimento por muito tempo. Aqueles textos, escritos em uma língua estranha, pareciam não ser de interesse de ninguém. Até que Aladim resolveu desvenda-los.

A língua, o desesperanto, não contava com nenhuma referência nos círculos especializados. Era necessário descobrir o que aquele texto queria dizer, construir seu significado. Aladim não se desanimou com esses empecilhos.

Passou a trancar-se em seu escritório e a dedicar cada vez mais tempo na tarefa de desvendar aquele documento. Não entendia muito bem o sentido daquele missão, mas sentia a necessidade de executa-la. Nesses tempos Aladim havia quebrado sua antiga fé inabalável nas palavras da metafísica-teólogo-cosmolonigolia de Mestre Pangloss que provava, sem deixar espaço para dúvidas, que esse é o melhor dos mundos possíveis.

Dizia esse sábio Pangloss: “Está provado que as coisas não podem ser de outra maneira, porque, sendo tudo feito para um fim, tudo existe necessariamente para o melhor dos fins. Observai que os narizes foram feitos para apoio dos óculos; e por isso temos óculos. As pernas visivelmente instituídas para o uso de calções, e inventaram-se calções. O destino das pedras foi o de serem talhadas, para a edificação de castelos; assim é que monsenhor tem o seu castelo muito lindo: ao principal barão de uma província deve caber a melhor casa; e, sendo feitos os porcos para serem comidos, comemos porco o ano inteiro: por conseguinte, aqueles que afirmavam que está tudo muito bem disseram uma tolice; era preciso que dissessem que tudo vai da melhor forma.”

Com essas palavras o antigo sábio provava ser o castelo de seu Barão o melhor lugar do mundo.

Aplicando o pensamento de Pangloss a GTI, Aladim chegou a conclusão inequívoca de que essa era a melhor cidade do universo e que o Imperador, sendo o maior e único Imperador da província seria, consequentemente, o melhor Imperador do mundo, já que em essência vivemos no melhor dos mundos possíveis.

2

O pensamento de Aladim era muito útil ao equilíbrio da cidade. Todo Imperador delirante precisa de alguém que sustente, através de inferências de necessidade metafísica inegável, que suas idéias são as mais acertadas. Todo Dom Quixote precisa de um Sancho Pança, todo Rubião precisa de um Quincas Borba…

Quando Aladim perdeu sua fé inabalável nas palavras de Pangloss, perdeu também sua utilidade para o Imperador e foi escorraçado do palácio imperial. Pensava ele que se fizesse uma grande coisa poderia ter seu emprego de volta. Por isso, passou a dedicar-se integralmente ao objetivo de desvendar os Manuscritos do cigano Melquiádes.

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Passou a estudar línguas mortas, tentou decifrar algo do calendário Maia, ler Heidegger em alemão…tudo para descobrir o código que seria a chave para desvendar a lógica daquele texto.

Mas foi somente lendo um conto de Edgar Allan Poe que passou a ter mais esperanças de desvendar o mistério.

Contudo, rapidamente suas esperanças se mostraram frustradas (as dicas de Edgar Allan Poe eram muito coerentes para se aplicarem em um enigma geteiense).

Desesperado,tomou uma decisão radical: trancou as portas e as janelas de sua casa, decidiu que dalí não sairia mais se não desvendasse o pergaminho deixado pelo cigano.

4

29 dias ficou ele com o texto nas mãos. Lendo-o sem nada entender. Não se alimentava, não se movia, tecnicamente estava morto…nos seus pés, virilha e axilas um limo crescia já faziam alguns dias. Quando, de repente, começou a entender o texto como se ele tivesse sido escrito em sua língua natal. Uma folha solta parecia ser uma espécie de prefácio para o manuscrito. Dizia essa página avulsa:

“Musa, reconta-me os feitos do Imperador fantasioso que muito pouco
Peregrinou além das muralhas sagradas de sua cidade ideal.
Não que fosse ele prisioneiro, como alguns monarcas orientais,
Mas (perdoe se peco, Oh Musa!), por um traço de xenofobia
Que o fez crer como Destino de sua imaginária morada
Uma Natureza amável onde todos os caminhos se cruzavam
E que seria para todos os homens lugar de alegria e conforto.
Para tanto esse nobre monarca de muitas águas se cercou,
Não como o confuso Odisseu, que perdeu seu caminho no mar,
O Imperador criou os seus próprio lagos e inventou seu navegar.
Oh Musa! Oh Musa sagrada! Criou também o Destino,
Estatizando os desígnios eternos, para sua cidade amada,
Seria ela turística e lugar de oficial beleza sagrada.
¿Seria esse sonho um churrasco dantesco de uma vaca do Sol Hiperiônio?
¿Seria esse um pesadelo cyberpunk, de incerto futuro?
¿Seria esse um desvio para o Hades ou uma luta com moinhos de vento?
Oh musa, inspira esses versos e me sopre os desígnios,
Mesmo longe do Tejo e ainda mais distante de Ïtaca,
Dessa cidade entre lagos onde um monarca a verdade dita.”

5

Aladim continuou a ler o manuscrito e esse desvendava sua cidade ponto a ponto, letra a letra, estava tudo alí. Ficou sabendo de toda história de Melquiádes (e suas atividades na Colômbia), da construção da idéia de GTI como cidade turística, do circuito oval, do sonho do Imperador…a medida que lia o texto sua face se iluminava e um vento cada vez mais forte tomava conta da cidade. Trovejava. Chovia. Aladim chorava e ao mesmo tempo sorria. (Poesia)Pulou algumas páginas para tentar descobrir sobre o seu próprio destino. Encontrou um título que lhe interessou : “O pensamento vivo de Aladim e a Tempestade em GTI”. Esse parecia ser o último texto. O vento quebrava os vidros das janelas. Aladim continuava sua leitura sabendo desvelar seu próprio fim. A medida que avançava a cidade era levada pelo vento e por fim, (quando leu fim) ele mesmo não mais existia.

Fim?!?!

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